Designer César Soares

No sentido de dar a conhecer os designers portugueses que trabalham na LEGO,
transcreve-se a entrevista a César Carvalhosa Soares
(respeitando os devidos créditos à publicação original¹).



Entrevista ao designer César Soares



por baixinho, em 29.07.19


César Carvalhosa SoaresCésar “CesBrick” Soares é o designer do conjunto 21318 Tree House, um dos conjuntos Ideas que mais furor tem feito junto dos AFOLs nos últimos tempos. Furor que não é inesperado, já que este conjunto além de ser uma delícia para os olhos é composto por uma variedade de peças que faz salivar qualquer AFOL construtor.

Aproveitando que conheço o César, já que fazemos parte do mesmo LUG (Comunidade 0937), questionei-o se acedia a uma pequena entrevista aqui para o blog. Mesmo estando de férias, o César aceitou prontamente mesmo tendo em conta o formato pretendido, uma conversa informal através do email que se alongou através de vários dias.

Sem mais delongas, aqui está o resultado dessa conversa.

LB O projeto do KevinTreeHouse está muito próximo da linha de MOCs que vinhas fazendo, principalmente antes de ingressares na LEGO. Quando foi aprovado, o pessoal do departamento do LEGO Ideas veio falar contigo ou tu é que lhes basteste à porta e disseste que este projecto tinha que ser teu e para isso mostraste-lhes a tua galeria na Comunidade 0937 como currículo?

CS O projecto de LEGO Ideas por norma não tem uma equipa de designers fixa. Uma das razões para isso é o facto de se querer que seja um projecto de paixão para o designer. No meu caso, assim que me apercebi que o projecto do Kevin iria atingir os 10 000 votos, apressei-me a fazer um sketch model com o intuito de o mostrar aocreative leader do Ideas e assim mostrar o meu interesse de fazer a versão final do conjunto, caso fosse escolhido para o efeito. Este sketch foi bem mais simples e um pouco mais pequeno que a versão final, mas serviu para mostrar o potencial de um set deste estilo.

LB Não tinha noção que os designers ficam à coca dos vários projectos do Ideas que se aproximam dos 10 000 apoiantes. Fico curioso com o que acontece quando há mais de um LEGO Designer interessado num mesmo projecto.
Mas fico ainda mais curioso com uma possível imagem desse sketch model. Penso que é um ponto comum a muitos AFOLs. Ver sketchs models pode ajudar a perceber como um set é desenvolvido.

CS Não ficam por norma, a não ser alguns AFOLs que tem interesse num ou noutro projeto. No meu caso faltavam cerca de 50 votos para os 10 000 e eu gostei tanto do conceito do Kevin que pensei que se fosse escolhido eu gostaria muito de o fazer. E atenção, o fato de um designer fazer um sketch model nao quer dizer que vá ser realizado. Apenas pode ajudar a mostrar a viabilidade de um determinado conjunto. Quando mais que um designer mostra interesse, normalmente o set é desenvolvido em conjunto.
Infelizmente não estamos autorizados a mostrar fotografias de sketchs models (apenas em casos muito especiais). Para este set, tirando o primeiro, devo ter feito pelo menos mais cinco diferentes. Explorando tamanho, forma, cores e texturas.

LB É muito diferente desenhar um set Ideas de um set normal? Estás ligado aos produtos licenciados (com IP, tipo Star Wars) e portanto representam por norma veículos, cenários ou situações criados por outras entidades. No entanto no Ideas estás a criar algo a partir de um conceito já em LEGO. Isso cria facilidades, ou pelo contrário, dificuldades?

CS Eu diria que é diferente, não necessariamente mais difícil ou mais fácil. Continuas com o objetivo de tentar criar um conjunto que seja o mais próximo possível de uma ideia já existente. Claro que podes sempre utilizar técnicas ou determinadas peças específicas do criador original e isso pode facilitar, mas por outro lado, por vezes tens situações em que técnicas ilegais são usadas e tens de encontrar forma de fazer igual ou parecido utilizado apenas técnicas legais. Neste caso específico para mim pessoalmente a grande diferença foi que este conjunto foi o primeiro que fiz com a idade recomendada de 16+, o que comparado com a média que por norma estou habituado (8-10), me permitiu utilizar técnicas bastante mais complexas e criar uma experiência de construção mais envolvente e um resultado final que espero que agrade a muitos AFOLs.

LB Abordaste algo que agora estou muito próximo, a questão das idades aconselhadas para determinados tipos de construção. O que profissionalmente tenho sentido é que a variabilidade é tão grande que dizer que um conjunto é 6+ é talvez uma média e não um limite. Encontro crianças que com 4 anos podem achar um 6+ simples de construir e posso encontrar miúdos já com 9 ou até 10 anos que coçam a cabeça e sentem enormes dificuldades em seguir as instruções desse mesmo conjunto.
Claro que isto é algo que não é exclusivo da LEGO, já que outras marcas devem enfrentar os mesmos problemas. No entanto fico curioso com as características que a LEGO utiliza para poder tabelar os seus conjuntos. Número de peças, quantidade necessária de peças por instrução, número de cores devem ser as características esperadas. Mas falas também de técnicas. Existe alguma lista de técnicas de construção com a idade aconselhada? :)

CS A idade aconselhada é mesmo isso, aconselhada. De acordo com uma série de directrizes mais ou menos estabelecidas e as quais tentamos seguir, ao desenharmos um set temos sempre em consideração coisas como uma criança de 6 anos, em geral, ter dificuldade em distinguir a esquerda da direita (daí evitarmos wedges para essas idades, por exemplo) ou ainda de que um tile 1x2 da mesma cor de um tile 2x3 é facilmente confundido.
Portanto, não existe uma lista de técnicas de construção aconselhadas mas temos sim um série de directrizes (algumas oficiais outras menos mas que com a experiência e o feedback do consumidor acabam por ser seguidas por nós) que tentamos seguir para determinada idade aconselhada.

set LEGO 21318 Tree House
LB Interessante e profissionalmente ficaria muito curioso com essa série de directrizes. Facilmente me lembraria das tiles semelhantes mas confesso que não me lembraria da questão da lateralidade, algo que até tropecei várias vezes quando trabalhei com robótica com miúdos do 1º ciclo.
Entretanto a Tree House foi anunciada e no Fórum 0937 gerou-se uma conversa bastante interessante que pode ser lida e participada aqui.
Voltando à questão deste set ser um projecto Ideas e portanto algo gerado por um AFOL. Não particularizando com o Kevin, já que acredito que tenhas tido alguma noção do que se passou pelo menos com alguns dos anteriores Ideas, como é que é uma relação entre o LEGO Designer responsável pelo set e o criador original? Basicamente e exemplificando os extremos, os criadores originais são uns chatos porque querem que o set seja o mais parecido possível ao seu projecto ou não querem saber e só perguntam quando é que vão receber o carcanhol?

CS Dependendo do projeto, e por várias razões o nível de envolvimento dos fãs foi sempre diferente. No caso do Kevin, a situação foi facilitada pelo fato de ele ter ido a Bilund um dia (por conta própria) e ter levado a Tree House com ele. Encontramo-nos por umas horas e eu tive a oportunidade de discutir com ele alguns pontos sobre como iria ficar o set final, sobre expectativas e ambições. Ele demonstrou alguma preferência por algumas coisas, como as cabanas serem os mesmos aposentos que a versão dele ou as lanternas penduradas em alguns ramos. E eu mantive, dentro do possível, alguns dos desejos dele. Foi-lhe também dada a oportunidade de escolher uma inscrição na peça que imita as letras gravadas no tronco da árvore. No fim ele viu o resultado final do set por Skype e ficou bastante contente com o resultado, embora em bastantes pontos, tenha sido substancialmente diferente da versão dele.

LB Fico bastante contente pelo interesse mostrado pelo Kevin com o desenrolar do desenvolvimento do set. Penso que a peça com o "Build Your Dreams K.F." é uma excelente forma de a LEGO mostrar agradecimento. É daqueles pormenores que fazem com que este set suba mais uns lugares na sempre mutável wishlist pessoal.
Pessoalmente dividiria os sets Ideas em três grandes grupos. Os licenciados de filmes e séries, os baseados em veículos reais (por exemplo o 21309 NASA Apollo Saturn V) e os inspirados em construções originais dos fãs. Apesar da minha animosidade à proliferação de sets licenciados, acredito que até sejam estes que vendam mais no Ideas. A LEGO Ideas tem alguma política na distribuição entre licenciados e originais?

CS A LEGO tem um portefólio muito abrangente com IPs para quase todos os gostos e temas criados e desenvolvidos pela LEGO. Na minha opinião existe um balanço bastante saudável entre os dois e isso aplica-se também ao Ideas. Mas claro que neste caso há uma outra componente: as criações são as que os fãs submetem, por isso pode haver alturas (review stages) em que haja mais IPs e outras em que haja mais não IPs e isso pode influenciar o tal balanço. Mas não há nenhuma regra ou número fixo em relação a quantidades de um ou de outro.

LB Eu bem digo que a culpa da LEGO ter muitos conjuntos IP é porque os clientes compram :). No Ideas então a culpabilidade é a dobrar :)
Sendo um AFOL e sabendo de muitas "necessidades" dos AFOLs, quando desenhaste este conjunto em particular, tiveste alguma atenção a esta comunidade? Por exemplo peças que são úteis para determinado tipo de construções, peças em cores raras, etc.

CS Sim, claro. Além de tentar evitar coisas já "pré-fabricadas", como cadeiras, lanternas ou gavetas e com isso possivelmente contribuir para uma melhor experiência de construção, tentei utilizar peças que acho que seriam úteis, como slopes e bows variados em vários tons de castanho, utilização de peças apenas impressas ou uma multitude de peças em medium dark flesh que são relativamente incomuns. Para além, claro, da quantidade enorme de folhas em cinco cores diferentes. É um dos aspetos mais virado para AFOLs que consigo pensar nesteset, pois não há nenhum outro que se aproxima da quantidade de folhas deste.

LB Realmente este conjunto é uma verdadeiro pack de folhas e por cima em dois conjuntos de tons diferentes.

Sabendo que a LEGO tem nas suas hostes vários AFOLs (ou ex-AFOLs), sentes que isso possa ter melhorado a qualidade dos sets lançados?

CS Eu acho que a maioria dos AFOLs que são designers tem um pouco mais de cuidado em pensar um bocadinho em coisas como colocar peças raras em algum set ou variar um pouco mais as cores interiores para proporcionar peças mais variadas. Mas acho que a maior vantagem é mesmo terem uma abertura maior para a comunidade AFOL. Tem mais propensão para ir a convenções e eventos e falam, por norma, mais com os fãs, etc. Relativamente à qualidade dos sets acho que há excelente designers vindos da comunidade AFOL mas também os há sem o ser

LB Este é, para já, o maior set Ideas. Sentiste uma maior responsabilidade?

CS Sim, este é o maior set Ideas até agora e eu sabia desde o momento em que ficou decidido que a escala seria similar ou que andaria perto do número de peças do 21311 Voltron. Mas não houve nenhum esforço consciente para o ultrapassar. O briefing era fazer um set que se distanciasse de todas as treehouses que a LEGO fez até hoje em temas como Creator ou Friends. Isto implicou um nível de detalhe e complexidade que fez elevar o número de peças (como por exemplo todas as cabines terem tiles no chão ou o efeito mais realista do riacho). Não senti mais responsabilidade por ser o maior mas mais por ser bastante complexo e orientado para um público-alvo de idades mais avançadas.

LB Inicialmente não previa que o número de perguntas pudesse chegar aos dois dígitos, portanto esta é a última e mais geral.

Sabendo que tens um passado extremamente rico em MOCs, como foi a adaptação à forma de construir (desenhar) sets LEGO?

CS A minha transição de fã para Designer, não obstante os meus MOCs serem de uma forma geral de natureza bastante frágil, foi muito boa. Em primeiro lugar a LEGO quando se inicia a carreira de designer oferece formação em como, mesmo conhecendo bem o sistema LEGO, deve ser o design de um set em termos de segurança, estrutura, adaptação a idade-alvo, estabilidade, etc etc. Em segundo lugar, é atribuído um mentor, umsenior designer, que durante os primeiros meses tem a função de guiar e "ensinar" muitas coisas, e isso é uma ajuda enorme. Depois, nada é apressado. Tudo é bem planeado e atempado o que facilita uma integração maior. E claro que todos os sets LEGO passam por um rigoroso processo de qualidade e controlo o que leva a que se tiveres ideias mais "excêntricas" são muito provavelmente logo cortadas! O Designer é normalmente associado a um determinado set, mas na realidade há uma enorme equipa por trás de cada um deles e sem a qual seria impossível termos os conjuntos com a qualidade que temos nas prateleiras.



Um grande obrigado ao César por esta entrevista que enriquece os conteúdos AFOL em português. Como é de prever, esperamos que continue a criar brilhantes sets e MOCs representando de forma brilhante a bandeira portuguesa no mundo LEGO.

Não se esqueçam de dar uma vista de olhos no press release and facts deste set neste meu post. Aconselho também a ver o vídeo sobre o set aqui. Por fim, não se esqueçam que o César irá estar presente na próxima Comic Con Portugal!!

¹Créditos: Publicado originalmente no blogue Oficina dos Baixinhos (29/07/2019)  https://oficina.blogs.sapo.pt/21318-tree-house-entrevista-ao-designer-957501

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